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Skoll World Forum: Reflexões sobre inteligência artificial, sistemas orquestradores e pandemias

Por Onicio Leal Neto, Expert em Epidemiologia Digital e Futuro da Saúde na SingularityU Brazil.

O Skoll World Forum chega à sua vigésima edição como um dos eventos mais importantes do mundo no segmento de empreendedorismo social, meio ambiente e governança. Criado pelo ex-fundador do e-Bay, Jeff Skoll, traz pautas relevantes com representantes da indústria, fundos de investimento, governo e terceiro setor.

O evento mobiliza a tradicional Universidade de Oxford por três dias para servir de palco de discussão de temáticas que vão desde ESG até empreendedorismo social, com participação de aproximadamente 1400 participantes de todo o mundo.

Inteligência Artificial e Responsabilidade

O destaque para o primeiro dia vai para Maria Ressa, ganhadora do prêmio Nobel da Paz e co-fundadora do Rappler.  Durante a plenária, Ressa trouxe reflexões sobre como a inteligência artificial utilizada de maneira perversa pode ameaçar a democracia.

Ela comenta que, no ambiente digital, mentiras se espalham seis vezes mais rápido que fatos, gerando uma facilidade da disseminação de fake news e desinformação.

Sem fatos, não há verdade e sem verdade não há confiança.

E por design, companhias estão criando algoritmos cada vez mais aptos a superar a capacidade de julgamento dos usuários, indo no ponto mais fraco, que são suas emoções. Fazendo isso, a aderência à disseminação de elementos que não são verdadeiros, acaba sendo mais propícia.

Maria Ressa aponta que algoritmos são opiniões em código. Ela fala sobre o “friends of friends algorithm” que é uma maneira de reforçar o viés cognitivo nos ambientes digitais, fazendo com que as câmaras de eco sejam cada vez mais poderosas, reverberando dentro da mesma bolha apenas opiniões e desinformação e reforçando polarizações de discursos.

Maria encerra sua fala trazendo uma possibilidade para endereçar este desafio. Numa sociedade que cada vez mais será afetada pela inteligência artificial, um possível caminho para achar o ponto de equilíbrio entre o uso ético da inteligência artificial na sociedade é: no longo prazo, educação. Educar a próxima geração de tomadores de decisão será crucial para um futuro mais ético da aplicação de tecnologias.

No médio prazo, legislação. Governos e agências reguladoras precisam intervir e definir regras claras, transparentes e equânimes para a utilização em massa das IAs de maneira que estas não se tornem máquinas de automatização de desigualdades.

E por fim, no curto prazo, nós. A sociedade atual precisa ponderar os aspectos éticos e ter um olhar mais cuidadoso sobre o que o presente cenário se revela, evitando que os avanços das tecnologias signifiquem mais ameaças que benefícios para todos nós.

System Orchestrators  e a complexidade facilitada

O destaque do segundo dia vai para a discussão sobre Systems Orchestrators. O conceito, criado na rotina de gerenciadores de sistemas computacionais, extrapola essas barreiras e chega para endereçar as conexões que criam impacto positivo no mundo.

Um mundo cuja complexidade diariamente exige um nível de ação do mesmo porte para a criação de soluções para os problemas globais que sejam escaláveis. Neste conceito, atores do setor privado e público facilitam parcerias e constroem redes para o desenho de soluções para problemas sociais urgentes. Um exemplo de system orchestrator é o International Council on Clean Transportation, que baseado em triangulações com academia, indústria automotiva e agências do governo. Ele gera evidências e propõe caminhos para transportes e mobilidade urbana com redução considerável da emissão de poluentes.

Outro interessante exemplo de system orchestrator é o negócio social brasileiro Conexsus – Conexões Sustentáveis. A instituição desenvolve projetos na área de bioeconomia em diversas regiões do Brasil, fazendo parcerias com o setor público e privado. Uma de suas atuações, por exemplo, é a concessão de microcrédito para pequenos empreendedores rurais que tem um impacto ambiental significantemente menor em relação aos grandes produtores, garantindo o desenvolvimento de negócios comunitários mais sustentáveis.

Durante a cerimônia de premiação do Skoll Award 2023, a Conexsus foi uma das 5 iniciativas vencedoras, recebendo US$2.25 milhões para a expansão dos projetos e aumento de impacto, sendo a única iniciativa brasileira neste ano a alcançar o prêmio.

Exponencializando o impacto

E chegando ao destaque do último dia, num fórum que discute iniciativas de impacto em milhões de pessoas, não há como ter deixado de fora temática de pandemias. No painel que discutiu se temos tudo o que é necessário para prevenir a próxima pandemia, o aspecto de engajamento de comunidades foi repetido diversas vezes.

A pandemia de COVID-19, além dos estragos econômicos e sociais que provocou (e ainda provoca), abriu portas para tecnologias que já existiam serem mais reconhecidas e valorizadas como a vigilância participativa, um tipo de crowdsourcing para combate de doenças.

A preparação contra uma próxima emergência em saúde pública não fica apenas a cargo dos governos ou instituições. Estes são cruciais para prover recursos e ações na mitigação dos riscos ou resposta às emergências. Porém a população tem um papel substancial no enfrentamento destes desafios.

Na Tailândia, a startup Opendream desenvolveu uma rede de fazendeiros que passaram a ser detetives de doenças, reportando as autoridades os óbitos de animais dos seus rebanhos. Isso acaba funcionando como um alerta antecipado de que um agravo à saúde pública pode estar surgindo, afetando primeiramente à saúde animal.

Outro exemplo foi a iniciativa Swasti, que já impactou diretamente 2 milhões de pessoas em 25 países com estratégias de fortalecimento de sistemas comunitários para saúde primária. A Swasti está também iniciando um programa de vigilância participativa para segurança de saúde global e resposta às pandemias.

A inclusão na agenda de combate às pandemias de um fórum tão estratégico para impacto global como o Skoll World Forum demonstra que precisamos continuar ativos na busca do melhor preparo para o enfrentamento da próxima emergência em saúde pública.

Na minha rotina de pesquisador, tenho a honra de participar diretamente no desenvolvimento de duas iniciativas inovadoras como preparação para a próxima pandemia. A primeira é a plataforma Global Flu View (www.globalfluview.org). Nós desenvolvemos um ecossistema digital que atua como orquestrador de sistemas ao redor do mundo, utilizando vigilância participativa no combate à Influenza. São mais de 20 milhões de datapoints provenientes de países como Austrália, Tailândia, Hong Kong e Estados Unidos, tornando estes dados acionáveis para instituições que podem atuar na resposta antecipada destes riscos à saúde global. O segundo projeto é o desenvolvimento de uma tecnologia vestível (wearable) para ser utilizada no mapeamento de contatos e quebra de ciclos de transmissão de surtos. Tudo isso de respeitando a máxima privacidade do usuário a partir do protocolo DP-3T, desenvolvido pelo time da pesquisa e hoje utilizado em todos os smartphones do mundo da Apple (iOS) e Google (Android).

O evento deixa claro a importância destas agendas no contexto de ESG, sendo uma chamada para que não só o governo e terceiro setor, mas também o setor privado entenda a necessidade de atuação nestes eixos.

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