A perda generalizada de empregos devido à pandemia de coronavírus está levando a um interesse renovado pela ideia de uma renda básica universal (UBI – universal basic income). Isso coincidiu perfeitamente com a publicação dos resultados do maior experimento de UBI até o momento – mas, segundo o colunista da Singularity Hub, Edd Gent, eles sugerem que a ideia pode não ser uma Panaceia.
Mais de 36 milhões de americanos solicitaram subsídios de desemprego nos últimos 2 meses, já que o bloqueio fez com que muitas empresas reduzissem o quadro de funcionários ou até decretassem falência. Isso levou a níveis anteriormente inconcebíveis de auxílio estatal, incluindo pagamentos diretos em dinheiro aos cidadãos como parte do pacote de estímulo.
Os pedidos pela renda básica universal fazem parte de uma ideia que já estava ganhando popularidade nos últimos anos. Seria exatamente como a política que está sendo debatida enquanto é praticada, mas envolveria todos os cidadãos indiscriminadamente recebendo pagamentos regulares e sem restrições, podendo cobrir suas necessidades básicas.
Os defensores dizem que o UBI poderia simplificar o sistema de assistência social e, como os pagamentos não estariam relacionados ao status de emprego, as pessoas não se preocupariam em perder o benefício se procurassem trabalho. Em contrapartida, os que se opõem dizem que seria financeiramente insustentável e poderia desmotivar as pessoas a buscarem por emprego.
O tema foi a peça central da campanha de Andrew Yang para a nomeação presidencial democrática e um tópico importante entre as elites do Vale do Silício, preocupadas com o impacto que a automação poderia ter no mercado de trabalho. Mas o massacre econômico causado pela pandemia parece ter dado um impulso ainda maior à ideia.
Uma pesquisa recente constatou que 71% dos europeus apoiam a UBI. Até mesmo o Papa adotou a ideia em seu discurso de Páscoa. A ministra de Assuntos Econômicos da Espanha, Nadia Calvino, disse que o governo em breve lançará algum tipo de renda básica que permanecerá após o fim da pandemia. A presidente da Câmara estadunidense, Nancy Pelosi, se mostrou aberta à ideia em comentários recentes.
Prever o impacto de uma convulsão sem precedentes no relacionamento entre o Estado e o indivíduo é surpreendentemente difícil. Assim como a busca por evidências que favoreçam ou contrariem a proposta. Houveram diversos ensaios em pequena escala, mas o mais ambicioso até o momento ocorreu na Finlândia de 2017 a 2018, e o relatório final foi publicado na semana passada.
O estudo selecionou 2.000 pessoas desempregadas aleatoriamente e concedeu-lhes pagamentos mensais incondicionais de € 560. Seus resultados foram comparados com 173.000 pessoas nos benefícios-padrão de desemprego da Finlândia. Os pesquisadores concederam ao The Guardian os resultados que contêm munição tanto para proponentes quanto para detratores da ideia.
A conclusão principal foi que aqueles que receberam pagamentos incondicionais relataram uma melhora significativa no bem-estar financeiro e mental. Eles também viram uma ligeira melhora no emprego, com os destinatários trabalhando em média mais seis dias entre novembro de 2017 e outubro de 2018 do que o grupo de controle.
Dado que muitos prevêem a implantação de UBI em todo o país seria extremamente caro, um aumento tão modesto na probabilidade de voltar ao trabalho foi anunciado por alguns como um fracasso. Mas também parece contradizer os temores de que esse esquema desmotive as pessoas na procura por trabalho.
Para além dos resultados econômicos brutos, as pesquisas com os participantes que receberam a renda básica universal descobriram que a medida aumentou seus índices de bem-estar, segurança financeira e confiança no futuro. Os autores do relatório disseram ao The Guardian que os destinatários se sentiam mais capacitados para realizar trabalhos voluntários ou tentar iniciar novos empreendimentos.
O estudo só pode nos trazer isso, por hora. Apesar de ser o maior teste até o momento, é difícil extrapolar os resultados até a escala de um programa nacional e também é impossível prever o impacto que intervenções semelhantes teriam em países com culturas e sistemas governamentais muito diferentes.
No entanto, ocorrendo no meio do maior desastre global deste século, o lançamento do estudo é um lembrete oportuno de que talvez seja hora de políticos de todo o mundo reavaliarem sua relação com o Estado de bem-estar social.
Enquanto o mundo responde à pandemia do COVID-19, cientistas trabalham incansavelmente para entender a complexidade da doença. Conversamos com a cientista PhD em longevidade e diretora científica da OneSkin Technologies, Alessandra Zonari, para entender melhor a conexão entre vulnerabilidade infecciosa e envelhecimento.
O que os cientistas aprenderam até agora sobre as populações com maior risco de contrair COVID-19? Zonari – Uma das primeiras lições do estudo das ramificações do COVID-19 é que a infecção afeta desproporcionalmente os idosos. Globalmente, mais de 80% das internações por COVID-19 são pacientes com mais de 65 anos de idade. Para quem tem mais de 80 anos, as chances de morte resultantes da infecção confirmada por COVID-19 aumentam para 21,9%.
Como cientistas, nos perguntamos o que esses números realmente significam sobre a infecção. E o que estamos aprendendo é que o envelhecimento representa um risco notável para a evolução da infecção por COVID-19.
Mais profundamente, os dados nos indicam que, se combatermos o envelhecimento, podemos fazer mais na resposta à doença. O envelhecimento tem sido considerado um fator de risco para muitas doenças, mas é provável que o envelhecimento seja uma doença em si, e que pode ser tratada. Mudanças a nível celular levam ao envelhecimento e podemos intervir nesse aspecto para prolongarmos a saúde. Além de trabalhar no combate ao vírus que causa o COVID-19, se quisermos reduzir a taxa de mortalidade, precisamos fortalecer o nosso próprio corpo, principalmente da população mais vulnerável, pois somos os “hospedeiros” do vírus. E é aí que a luta contra esta doença e a ciência da longevidade se cruzam.
O que pode contribuir para um maior risco de desenvolver um prognóstico mais grave de COVID-19? Zonari –Vários aspectos do envelhecimento estão correlacionados ao aumento do número de idosos que contraem COVID-19. Um dos principais aspectos relacionados com envelhecimento, é que quando uma pessoa envelhece, o nível geral de inflamação no corpo acumula e isso contribui para um processo biológico conhecido como “inflammaging” (do inglês inflamação + envelhecimento).
O que isso significa para um vírus como o SARS-CoV-2 (a cepa do coronavírus que causa o COVID-19) é que com níveis mais altos de inflamação, a quantidade de ACE2 (uma molécula que se liga ao vírus SARS-CoV-2) na célula aumenta, isso facilita a entrada do vírus em nossas células e sua replicação. Além disso, com a idade, o número de células imunológicas responsáveis por matar as células infectadas presentes no corpo são reduzidas, diminuindo o mecanismo de defesa inato do corpo para combater a infecção. Portanto, o aumento da inflamação que está relacionado com o envelhecimento e a diminuição do potencial de resposta do sistema imune, pode resultar em um pior prognóstico da doença.
Reforçar a capacidade do sistema imunológico de combater uma infecção mais rapidamente não só ajudará a resposta biológica do nosso corpo ao SARS-COV-2, mas também nos preparará para responder a uma ampla gama de doenças e novas infecções. Dessa forma, podendo reduzir as proporções de futuras pandemias, incluindo a severidade da doença e gastos hospitalares e impactos socioeconômicos.
Os relatórios dizem que pode levar mais de um ano para se desenvolver uma vacina. Que outras terapias poderiam ajudar a combater o vírus enquanto isso? Zonari – Como nos encontramos neste período de espera para que uma vacina chegue à aprovação e seja submetida a testes clínicos, outro objetivo da comunidade científica é encontrar novos tratamentos, como um medicamento antiviral específico para o vírus. Entretanto, há uma terapia menos conhecida sendo investigada, que definitivamente merece uma explicação, e é o uso de geroprotetores. Os geroprotetores são uma classe de medicamentos projetados para combater uma ou mais características do envelhecimento com o objetivo de melhorar a saúde de uma pessoa (e seu período de vida livre de doenças), aumentando sua vida útil. Pesquisas em diferentes modelos animais demonstraram que muitos desses medicamentos, como metformina, rapamicina e senolíticos, podem reduzir a inflamação no corpo, prolongar a saúde animal e atrasar o desenvolvimento de doenças crônicas. Isso nos leva a acreditar que através dessas novas moléculas, poderemos otimizar o funcionamento do nosso corpo para que responda mais eficientemente a futuras infecções virais, incluindo a responsável por COVID-19.
Os geroprotetores já estão sendo testados em seres humanos? Zonari – Sim, em ensaios clínicos. O que é especialmente interessante é que, no momento, os pesquisadores estão tentando correlacionar o uso desses medicamentos com a taxa de recuperação do COVID-19. A metformina, um medicamento amplamente usado no tratamento da diabetes tipo 2, exibe dados promissores para a proteção contra doenças relacionadas ao envelhecimento, cientificamente comprovados por atuar em vias metabólicas e inflamatórias específicas. Vários estudos clínicos mostram que os diabéticos tipo 2 que tomam metformina têm menor taxa de propensão a várias doenças incluindo demência, doenças cardiovasculares e câncer, em comparação com pacientes que não tomam metformina, mesmo que não sejam diabéticos. Ou seja, o uso de metformina pode prevenir a surgimento de doenças crônicas.
Os pesquisadores estão agora mapeando o resultado dos pacientes prescritos com metformina, que se recuperaram do COVID-19, para entenderem se o medicamento possui efeitos protetivos para a infecção viral.
Outro achado interessante veio de um ensaio clínico de fase 2 de um geroprotetor (RTB101) em pacientes com doença de Parkinson. Os dados mostraram que os indivíduos que tomavam o medicamento tiveram incidência reduzida de infecções do trato respiratório causadas por vários vírus, incluindo coronavírus (testado com outras cepas, antes da SARS-COV-2) em comparação com o grupo placebo.
Embora esses achados ainda estejam em fase preliminar, os dados nos dão mais uma pista de que medicamentos projetados para intervir na biologia do envelhecimento podem fortalecer a saúde do hospedeiro e contribuir na resposta a doenças infecciosas.
Enquanto aguardamos dados cientificamente comprovados sobre a segurança e eficácia de geroprotetores, o que posso fazer para preparar meu corpo para uma possível infecção viral? Zonari – Comportamentos simples, como se exercitar e seguir uma dieta saudável, naturalmente ajudarão a reduzir os níveis de inflamação no seu corpo. Isso se deve ao fato do músculo esquelético ser um regulador essencial da imunidade. Quando o músculo é ativado através do exercício, libera moléculas chamadas miocinas que alteram o perfil das células imunes para um estado anti-inflamatório, aumenta o número de células do nosso sistema imunológico responsável por matarem as células infectadas e modula as células adiposas (também responsáveis pela liberação de moléculas inflamatórias).
Um estudo recente comparou os níveis de inflamação no sangue de adultos com idade mais avançada (55-79 anos) que realizaram regularmente atividade física de alta intensidade (ciclismo de 100 a 150 quilômetros/semana) com indivíduos sedentários, incluindo jovens adultos e idosos. O resultado foi impressionante e determinou que os níveis de inflamação no sangue para os idosos que praticavam o exercício foi semelhante aos níveis encontrados nos jovens adultos.
Para aqueles que não gostam de se exercitar com tanto vigor, outro estudo envolvendo 200 pessoas com mais de 65 anos demonstrou que aumentar a contagem diária de passos para mais de 10.000 passos pordia diminui também é capaz de reduzir os níveis de inflamação no sangue.
A nutrição é outra maneira de manter um sistema imunológico forte. Uma microbiota intestinal saudável, uma dieta rica em frutas e legumes, vitamina D, zinco e baixo teor de açúcar demonstraram influenciar o sistema imunológico, reduzindo níveis de inflamação.
Como você vê as pesquisas sobre o envelhecimento e a longevidade impactando a sociedade? Zonari – Sou bastante otimista e estou particularmente muito empolgada com o que virá nos próximos anos. Nos últimos anos, tem havido um aumento considerável no número de pesquisadores, institutos, startups de biotecnologia e financiamento no campo da longevidade.
Não há maneira mais lógica de combater doenças e infecções do que através de prevenção. E isso, nunca esteve tão claro. Todas as recém-instituídas restrições trazidas pelo COVID-19, incluindo a quarentena, nos fizeram perceber que a saúde é nosso ativo mais precioso.
Pesquisas de longevidade mostraram que estilo de vida e intervenções terapêuticas são capazes de atrasar o processo de envelhecimento em humanos, e aumentar os anos de vida saudáveis. O envelhecimento não precisa ser um fardo, como infelizmente é comum hoje em dia. O envelhecimento pode ser tratável. Devemos mudar a forma como vemos esse processo. O fortalecimento da nossa biologia imunológica equipará melhor nossos corpos para combater doenças futuras, e isso influenciará não apenas a qualidade da sua própria vida, mas terá um impacto significativo na sociedade e economia.
Nunca é tarde para incorporar hábitos saudáveis, independentemente da sua idade. Nos últimos dois anos, mudei alguns dos meus hábitos, incluindo exercícios diários, meditação, jejum e dieta mais saudável e já posso sentir o impacto na minha saúde e energia. Encorajo todos vocês a incorporarem também hábitos saudáveis ao seu estilo de vida. E fiquem atentos ao progresso desse campo! Tem muita esperança pela frente! Como uma pesquisadora da área, posso dizer que os avanços científicos são bastante promissores e quem vamos, em breve, ser beneficiados por novas tecnologias que promovem longevidade.