No último dia da quinta edição do xTech Legal, o Learning Village recebeu painéis sobre inovação e tecnologia, com conversas sobre os impactos que o trabalho jurídico vem sofrendo por conta das transformações tecnológicas: desde sua produção diária até seus enfrentamentos mais árduos.
A PL das Fake News é um exemplo de como a tecnologia foi colocada socialmente e só agora, depois de inúmeros casos problemáticos, está sendo reconduzida e discutida dentro do processo jurídico.
Transformações estão acontecendo em níveis distintos: no trabalho, com soluções mais imediatas e práticas do mundo digital; de construções de peças automáticas até novas maneiras de atendimento que utilizam bots para facilitar o caminho a ser percorrido na assistência jurídica.
O mundo digital implica neste tipo de transformação diária, principalmente por conta do modelo dataficado de reconstrução, reaprendizado e pelo interesse das grandes empresas que possuem estas fontes de informação.
Estas transformações tiveram uma aceleração grandiosa por conta da pandemia, mas são processos que já fazem parte de uma ideia de otimizar e tornar a a atividade mais produtiva. Com a globalização, a comunicação, relacionamento e as trocas comerciais passaram a ser quase imediatas e, quanto menos tempo, melhor para nosso contexto econômico.
Em consonância com essa situação, Alexandre Nascimento, expert da SingularityU Brazil e pesquisador de Stanford, trouxe várias perspectivas das mudanças que as novas tecnologias estão trazendo no mundo atual – especialmente nas questões relacionadas à inteligência artificial.
Hoje, há uma ação de se apropriar destes modelos de automação para o trabalho humano: desde reconhecimento social e cultural, como trabalhos de social listening, até construções de robôs para atuarem em trabalhos de maquinários.
Outro exemplo disso é para atuações sociais: diversas cidades do mundo já possuem olhos robóticos nos lugares estratégicos mais importantes para controle, regulados por indicações humanas e performadas pelas máquinas.
Os carros estão passando por uma mudança de controle automático, sem a necessidade de um motorista humano. As redes de assistência e relacionamento já se encontram com estas transformações.
E até o corpo humano também participa deste processo: cada vez mais estamos procurando maneiras de criar extensões não-humanas em nossa carne, seja com um chip, seja um órgão. Além disso, a nossa maneira de se relacionar também está passando por mudanças: desde com quem, que pode ser não-humano, até em qual lugar, como os ambientes imersivos que criam vidas digitais.
O que hoje mais chama atenção é a “capacidade” da inteligência artificial. Junto a estes processos, ainda ecoa no mundo um alarde sobre o que este tipo de tecnologia pode criar, e o medo sobre substituir a criatividade humana é latente.
O ChatGPT, ChatSonic e Dall-E 2 são exemplos desta nova onda de inteligências artificiais que foram colocadas para uso na internet. A ideia destas criações, em forma de IA aberta, é tornar este tipo de tecnologia mais bem aproveitada, percorrendo os circuitos socialmente presentes. Ao mesmo tempo, ainda faz um trabalho de experimentação social, na tentativa de enxergar se haverá um aproveitamento deste tipo de tecnologia processo de trabalho e produção humana.
Não é surpresa para ninguém que há uma ambição por trás disso: quanto maior a produção e mais eficiente, menos tempo perdemos com tarefas mais simples e podemos otimizar os processos de trabalho. É disso que se trata o auxílio destes artífices.
No entanto, algumas questões que cerceiam a apropriação deste modelo tecnológico na produção cotidiana: qual o impacto deste tipo de tecnologia nos trabalhos hoje existentes? Eles vão substituir a mão-de-obra? Chegamos no momento alarmista da “Era das Máquinas”, como este alvoroço indica?
Nesse sentido, aprofundamos este assunto com o pesquisador e expert da SingularityU Brazil, Alexandre Nascimento, na tentativa de entender se o trabalho no meio jurídico mudará ou se há uma mudança no contexto social que precisamos ficar atentos. Além disso, tiramos algumas dúvidas sobre a real capacidade e impacto deste novo tipo de tecnologia neste momento tão conturbado.
Como isso impacta o trabalho jurídico?
Há uma tendência em acreditar que chegamos a um momento de automação eficiente e clara, em que as leituras da nossa experiência e domínios dos nossos hábitos já são bem apropriados pelos robôs criados. Isso não é o que verdadeiramente acontece hoje.
Alexandre deixou claro o quanto é cético sobre a ideia de substituição de profissionais da área jurídica por profissionais especializados em IA ou prompters para utilização de inteligência artificial para automação completa no setor no curto prazo, por conta das limitações da tecnologia frente aos desafios intrínsecos ao direito e do sistema judiciário:
“Hoje isso não é possível. Precisamos de mais tempo, principalmente tentando desenvolver tecnologias particulares às ações e regiões necessárias. Este nível global de inteligência artificial torna as ferramentas como o ChatGPT, falhas. Ela mente e reproduz algo que viu em outro lugar, sem aprofundamento.”
Para o expert da SingularityU Brazil, o componente humano se fará necessário por um longo período, e, a parceria homem-máquina é que trará grandes resultados no setor. Por isso ele vê muito mais a atualização dos profissionais com o conhecimento do setor para que utilizem a tecnologia no longo prazo, do que a substituição dos profissionais da área por prompters ou engenheiros de IA.
Ainda sobre o ChatGPT, ele afirma que os grandes modelos de linguagem não são uma solução universal, e, apesar de que vieram para ficar, eles se tratam muito mais de uma poderosa forma de melhorar a parceria homem-máquina para o futuro que está sendo construindo, onde teremos cada vez mais nossa inteligência ampliada por IAs. Por isso, ele afirma que o principal ponto será a criação de Inteligências Artificiais especializadas, híbridas e relacionadas ao que é proposto, dentro da área e temática sugerida: “Vamos viver um momento de ânsia por automação e depois iremos perceber pela qualidade dos resultados que não era possível resolver tudo com o ChatGPT, e, vamos repensar essa apropriação muito rápida. Espero que poucos cometam este erro e sejam cautelosos no que irão automatizar.”
Afinal, é necessário que a tecnologia tenha um treinamento do modelo de linguagem. É também crucial que encontre um banco de dados direcionado para o serviço prestado, em virtude de que compreenda a lógica particular daquele local, olhe as documentações necessárias e que consiga gerar uma decisão que não seja apenas a repetição de algo muito similar ou análogo, mas em outro contexto.
Para o cientista, este tipo de tecnologia será crucial para trabalhos mais repetitivos e que auxiliem em operações constantes que fazemos hoje em dia, mas:
“Precisamos de mais tempo, principalmente tentando desenvolver tecnologias particulares às suas áreas de atuações e regiões coordenadas pelo planeta. Este nível global de inteligência artificial torna as ferramentas, como o ChatGPT, falhas. Elas mentem e reproduzem algo que viu em outro lugar, sem aprofundamento.”
Afinal, é necessário que a tecnologia tenha um treinamento do modelo de linguagem. É também crucial que encontre um banco de dados direcionado para o serviço prestado, em virtude de que compreenda a lógica particular daquele local, olhe as documentações necessárias e que consiga gerar uma decisão que não seja apenas repetitiva.
No meio jurídico, isso é ainda mais crucial por estarmos decidindo questões sociais vitais. É neste ponto de diferença que Alexandre deixa clara a necessidade de um ser humano neste papel analítico. Apenas a repetição, hoje, não dá conta de partes da cadeia produtiva. A IA disponível de forma aberta e pública, sem um processo cuidadoso de preparo para cada contexto específico, ainda não tem profundidade em todos os assuntos possíveis e é insuficiente em seus aprofundamentos.
Então, quais são os impactos que o trabalho jurídico sofrerá nos próximos anos?
A principal questão é entender onde está a repetitividade do trabalho que hoje é feito. As novas tecnologias podem ajudar no processo de produção, tornando criações repetitivas, categorizações e modelações mais ágeis desde que tenham mãos humanas neste processo. Afinal, é o trabalhador que dará habilidades comportamentais e algumas demandas que o mercado precisa.
Tal como a internet fez, e isso acontecerá na maioria (se não todas) as profissões, todos precisarão compreender o machine learning e como cada inteligência artificial apropriada funciona. O computador exigiu isso há alguns anos e agora os programas mais inteligentes necessitarão deste olhar.
Um letramento digital será necessário, mas, Alexandre deixa claro que: “As pessoas tomaram um susto com tudo isso, mas a substituição completa de pessoas por algoritmos não vai acontecer, porque todos precisam de qualidade em seus trabalhos que exigem uma gestão humana. A IA pode dar escala, mas sem a supervisão humana num setor tão crítico como o jurídico, ela pode dá escala ao erro e a injustiça, gerando problemas sociais. O que devem compreender é que há a necessidade de enxergar como utilizá-la em sua aplicação.”
“Todos descobriram um jeito de colar”
O susto tomado pelo mundo sobre o processo OpenAI foi produzido pelo encontro de uma nova fonte de produção, que busca diferentes leituras para produzir os processos designados: fotos, textos, vídeos, comerciais, histórias e narrativas. Foi notável o baque de medo ao compreender que uma criação nossa poderia dar sentido aos objetos ao nosso redor, coisa que a humanidade, desde seus primeiros momentos de existência, faz individualmente.
Porém, novos instrumentos utilizam bases de experiências já construídas e repetem o processo. É neste estágio, hoje, que as inteligências artificiais se encontram. Inclusive, há quem diga que este tipo de tecnologia não é nem artificial e muito menos inteligente, como Kate Crawford propõe.
O fato aqui não é este, mas nossa tarefa é entender o processo social que está por trás disso. De qualquer maneira, as IAs, hoje, são fontes de referência. Por isso, a maior tarefa, hoje, é saber se (1) deve ou não e (2) como alinhar este instrumento em suas produções cotidianas. Por este motivo, os cuidados precisam ser redobrados e precisamos entender que a automatização não pode ser prioridade acima da qualidade.
Alexandre destaca a necessidade de não se atropelar nesse processo e reconhecer que há um desenvolvimento, mas não uma confiança cega à priori em se apropriar deste tipo de tecnologia. Afinal, dilemas morais também estão presentes nesse contexto, ainda mais quando falamos sobre o processo jurídico. Nem sempre a melhor defesa é a mais rápida ou a de lógica pragmática dedutiva, como o ChatGPT usa, por exemplo.
É necessário revisar e atuar criticamente em qualquer criação de IA. O melhor a ser gerado nem sempre está nas leituras prévias e experiências passadas. Além disso, precisamos ter um cuidado com a questões que transformarão nosso entendimento de valor moral social, principalmente sobre responsabilização e culpabilidade dentro do processo jurídico.
A tarefa não é fácil, mas precisamos clarear o assunto muito antes de dar passos largos. O fenômeno do futurismo sempre compreende previsões e inferências, mas poucos entendem que isso é um processo reflexivo, que exige parâmetros para dar estes saltos de entendimento e muito cuidado.
A IA foi criada para resolver problemas. Este tipo de modelo tecnológico utiliza um conjunto de dados, a partir de experiências de terceiros, codifica algumas questões e a reutiliza. É, hoje, uma reprodução e, por isso, antes de continuar este processo, é necessária uma atenção, cuidado e direcionamento.
Além disso, como Alexandre Nascimento indica, os próximos passos são as atenções particulares: entender como esta tecnologia pode auxiliar em processos globais, mas que se caracterizam diferentemente em cada região do planeta, desde os valores morais aos processos produtivos. Por isso, antes da automação, é preciso retomar o processo humano e suas ações com os maquinários, tomando mais cuidado ainda por conta do impacto reprodutivo que isso implica socialmente.