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Inovações disruptivas

Texto por Alexandre Nascimento

Há muitos anos, um jovem chamado Clayton fundou uma startup atuando no mesmo mercado de empresas gigantes, como DuPont e Alcoa. Ao contrário do que era esperado, a empresa de Clayton, chamada Ceramics Process Systems Corporation, foi a única que teve sucesso no nicho de mercado em que ele atuava. Ou seja, por incrível que pareça, as empresas gigantes do setor não conseguiam ter sucesso, mesmo com muito mais recursos humanos e financeiros. Por que isto aconteceu? Seria porque Clayton e seus sócios (professores do MIT) eram mais espertos que os executivos destas empresas?

No entanto, mesmo sem entender a razão, Clayton observou que às vezes categorias inteiras de negócios colapsavam em um curto espaço de tempo, e que muitos destes negócios eram administrados por gestores experientes e com histórico de sucesso. Um exemplo disso é o que ocorreu com empresas como a Kodak, por exemplo, que produziam filmes para fotografias, e, que foram seriamente impactadas pelo surgimento das câmeras digitais. Então, a razão não parecia estar apenas ligada a competência técnica de seus gestores. Clayton resolveu estudar o tema profundamente em um doutorado e, posteriormente lançou o livro “The Innovator’s Dilemma”, baseado na teoria da Inovação Disruptiva que criou a partir de seus estudos.

O conceito central da teoria é a distinção entre tecnologias de sustentação e tecnologias disruptivas. As tecnologias de sustentação são voltadas para a produção de inovações que trazem melhorias incrementais: por exemplo, um computador com um processador mais rápido e mais memória, ou uma televisão com uma imagem de maior definição. Já as tecnologias disruptivas são geralmente mais simples, mais baratas e muitas vezes mais convenientes de serem utilizadas.

Assim, as empresas tradicionais que dominam um determinado setor ou mercado, criam e produzem um produto muito bom e conseguem manter sua base de clientes utilizando tecnologias de sustentação para melhorarem os produtos em novas versões ao longo de diferentes gerações de produtos. Como consequência, os produtos vão se tornando cada vez mais sofisticados, e, atingem um nível de qualidade que ultrapassa o nível de performance necessário para satisfazer mesmo os consumidores high-end que são os mais sofisticados e exigentes que atendem.

As tecnologias disruptivas geralmente começam em novos mercados, permitindo que seus fabricantes cresçam rapidamente. Geralmente quando estas tecnologias são introduzidas no mercado, elas possuem um preço mais baixo e um nível de performance relativamente baixo quando comparado com os produtos oferecidos pelos líderes. No entanto, o nível de qualidade e performance são adequados para as necessidades que uma parcela low-end do mercado. E, como consequência desta expansão e de sucessivas melhorias da tecnologia, passam a atrair uma parcela cada vez maior de consumidores. Assim, com o tempo, elas acabam tomando os mercados tradicionais das empresas dominantes.

Em suma a dinâmica da competição entre os líderes do mercado os empurra para criar cada vez mais sofisticações em seus produtos. Os recursos destas empresas são investidos massivamente nesta competição por inovação, proteção e expansão no mercado diante de seus competidores. Tal escalada na competição entre as empresas tradicionais e líderes cria, de acordo com Clayton Christensen, um vácuo abaixo delas, que é aproveitada pelos inovadores disruptivos, que vão abocanhando parcelas do mercado considerado “low-end” com produtos mais baratos e com menos funcionalidades. Como as parcelas “low-end” são geralmente negligenciadas pelos fabricantes tradicionais, esta expansão não exige grande esforço e recursos por parte dos inovadores disruptivos, que geralmente nem encontram respostas competitivas das empresas estabelecidas. Assim, de acordo com Clayton, “os líderes acabam sendo mortos por debaixo”.

Um exemplo desse fenômeno pode ser observado em como a Toyota conseguiu com o Corolla provocar a disrupção das três empresas tradicionais do setor automobilístico na década de 70 nos Estados Unidos. Enquanto a General Motors, Ford e Chrysler competiam produzindo carros cada vez mais confortáveis, mais potentes, mais seguros e com mais funcionalidades, a Toyota produziu um carro muito mais barato, mais leve, com um consumo mais econômico, de elevada confiabilidade e durabilidade necessitando de menos manutenção. Mesmo sendo um carro menos confortável, menos seguro, e com muito menos acessórios que seus competidores, ele foi adotado por parcelas do mercado que não compravam carros ou que compravam carros usados. Com isto, eles construíram um novo mercado para carros novos, o que gerou um crescimento do mercado. Em suma, a Toyota adicionou novas fatias ao bolo original, de forma que passou a ter uma participação significativa sobre o volume total.

Um conceito muito importante da teoria de Clayton é que uma empresa entrando com uma tecnologia disruptiva no mercado compete geralmente contra o não consumo. Ou seja, enquanto as empresas tradicionais competem entre si pelos mesmos consumidores, elas deixam uma parcela do mercado aberta e inexplorada para os novos entrantes. Assim, as empresas com uma tecnologia disruptiva estão convertendo não consumidores em consumidores, o que permite dizer que elas competem contra o não consumo.

Pode-se imaginar então que a saída para uma empresa seria manter duas frentes: uma com tecnologias de sustentação e outra com tecnologias disruptivas. Desta forma uma empresa estabelecida estaria protegida de novos entrantes com produtos disruptivos. No entanto os dois objetivos são conflitantes, e as pressões de investidores dificultam o processo de inovação. Inovações geralmente geram margens de lucro baixas no início, e, retornam no longo prazo, o que conflita com os interesses de retornos imediatos de acionistas. Adicionalmente, o perfil dos colaboradores que são bons inovadores difere dos bons recursos operacionais.  

O termo inovação disruptiva acabou virando um termo usado de forma indiscriminada no mundo de negócios, ainda mais quando se trata do contexto de novos negócios ou startups. No entanto, é importante ressaltar que tal entendimento de disrupção não é o mesmo de acordo com a teoria de Clayton Christensen. O senso comum entende que disrupção é interromper o progresso normal de alguma coisa ou fazer com que algo não possa continuar em seu caminho normal. Já sob a ótica de Clayton, de acordo com a interpretação de Ilan Mochari, disrupção é o que acontece quando os incumbentes estão tão focados em agradar seus clientes mais rentáveis que acabam negligenciando ou julgando erradamente as necessidades de outros segmentos.

Outro ponto importante a ser observado é que a ideia de disrupção de Clayton Christensen está mais associada à um processo do que um produto ou serviço específico. De fato, de acordo com Clayton, leva tempo para saber se um modelo de negócio inovador irá ter sucesso. No entanto, mesmo obtendo-se o sucesso, o novo modelo pode ser apenas mais um competidor no mercado, ou, uma empresa que empurra os negócios já estabelecidos para fora do mercado. A chave para se entender é observar o processo e entender se o produto ou serviço está evoluindo o modelo de negócio para atender melhor às necessidades dos consumidores.

O caso da Toyota com o carro Corolla nos Estados Unidos é um exemplo de um processo de disrupção no mercado de automóveis. Nos EUA, o Corolla é um carro barato, diferentemente do que ocorre no Brasil. Assim, enquanto as empresas americanas competiam entre si e lançavam carros com cada vez mais acessórios, a Toyota introduziu o Corolla por um preço muito mais baixo do que era praticado por lá, mas o carro tinha menos acessórios, bem como menos itens de conforto. Por outro lado, o Corolla não exigia tanta manutenção e era mais econômico, principalmente quando comparado com outros carros de características similares. Isto permitiu que pessoas que só compravam carros usados, e que, portanto, não eram o principal alvo das montadoras, bem como os que não compravam carros, pudessem fazer parte do mercado de carros novos. Com isto a Toyota conquistou uma parcela significativa neste novo mercado consumidor de carros. Ou seja, em termos práticos, a Toyota foi capaz de capturar um público mais low-end que comprava carros usados, e ainda criou um novo mercado com as pessoas que não compravam carros.  

Por fim, esta teoria não funciona em todos os negócios, de acordo com o próprio Clayton. Um exemplo disto é o McDonald’s que entrou no segmento inferior do mercado e lá permaneceu.  Nas indústrias em que isto ocorre há um núcleo tecnológico. Em outras palavras, nessas indústrias há um sistema dentro do produto ou de sua produção que define sua performance e pode ser estendido para fatias superiores do mercado para fazer as coisas de uma forma melhor. Isto explica a razão do McDonald’s ter permanecido na sua posição. Para se mover para os mercados acima ele poderia vender sanduíches à um preço mais elevado, mas teria que emular as características de qualidade dos hambúrgueres de qualidade superior.

Alexandre Moreira Nascimento é consultor, pesquisador em Inteligência Artificial e Dispositivos Autônomos Inteligentes e expert da SingularityU Brazil.

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