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ID_BR: aceleração da igualdade racial no mercado de trabalho

Na última edição do Executive Program da Singularity University Brazil, a fundadora e diretora executiva do Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), Luana Génot, trouxe discussões sobre a importância da diversidade racial dentro das organizações, sobretudo para processos de inovação.

A autora do livro “Sim à Igualdade Racial: raça e mercado de trabalho (2019)” provocou os participantes a pensarem sobre o papel dos executivos na construção da igualdade racial e como o impacto positivo não deve ser focado apenas no número de pessoas atingidas (pensando no mantra da SU de impactar positivamente 1 bilhão de pessoas), mas também na qualidade desse impacto, sobretudo em populações historicamente marginalizadas.

Co-líder do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil no Núcleo do Rio de Janeiro, Génot está confirmada na 4ª edição do Executive Program e conta para o blog da SU um pouco mais sobre o processo de construção de igualdade racial na prática.

De onde surgiu a ideia de criar um negócio que promovesse a aceleração da igualdade racial no mercado de trabalho?

A ideia surgiu a partir de uma provocação pessoal e de um olhar coletivo. A provocação pessoal tem a ver com olhar para a minha própria trajetória e me ver como uma pessoa completamente capacitada, como executiva, como alguém que tinha um potencial de carreira muito grande, mas que ao passar e transitar pelas empresas se via podada, se via num ambiente tóxico e se via só, sem pares.

Sem ter como pares outras pessoas negras ou indígenas, tanto no mesmo nível quanto acima, na liderança. E uma provocação coletiva porque eu entendi que não era só a minha história. Era a história de outras tantas e outros tantos que tinham seu talento e seu potencial desperdiçados por termos um mercado racista estrutural, que não olha para as pessoas negras e indígenas como aquelas que têm o potencial talento e que podem abraçar a oportunidade de estar ocupando cargos de liderança.

Como se constitui esse modelo de negócio focado na diversidade étnico-racial no mundo corporativo?

O modelo de negócio se estrutura a partir do desenho dos 3 pilares. A gente entende que a promoção da igualdade racial é algo complexo, que não tem só uma solução, como diz Kabengele Munanga. E é algo que complementa ações de políticas públicas e de outras instituições da sociedade civil. Estamos sobre o ombro de gigantes como Abdias do Nascimento e o próprio Estatuto da Igualdade Racial, de 2010, pensando no aparato de leis e de pessoas que vêm lutando por essa pauta já há muito tempo. No entanto, muitas dessas pautas não se dirigiam especificamente ao mundo do trabalho.

O ID_BR veio para reforçar essa pauta da igualdade racial com recorte no mundo do trabalho. Enquanto modelo de negócio, os 3 pilares vêm como 3 fortalezas ecossistêmicas, que permitem que a gente não tenha só uma fonte de receita.

No pilar de Empregabilidade, que é hoje o principal no que diz respeito à arrecadação, temos consultorias para apoiar as empresas na construção de ações afirmativas. Costumamos dizer que mais do que falar não ao racismo, a gente diz sim à igualdade racial, que representa a construção de ações afirmativas para que as empresas mudem através da maneira de recrutar, de reter talentos, discursos de liderança, comunicação, leitura das leis, pautar estatutos, códigos de ética e de conduta. Existem códigos de conduta, por exemplo, que versam que funcionários tenham cabelo liso.

O racismo estrutural está nos detalhes de vários setores das empresas. Então, ajudamos empresas a olharem esses detalhes de uma forma 360°, intersetorialmente, para que a gente possa apoiar na permanência, na retenção e na atração de pessoas negras, na mudança de cultura que vai fazer com que essas empresas, a longo prazo, consigam se conectar ainda mais com a população negra e indígena.

No pilar de Educação, gerenciamos bolsas de estudo, programas e projetos em parceria com empresas, então vendemos esse serviço para as empresas. No pilar de Engajamento, a gente vende patrocínios, ações de engajamento com empresas e instituições para ativar a sociedade, de maneira geral, em prol da promoção da pauta da igualdade racial, um exemplo são as camisetas em parceria com a Hering, em que o Instituto ganha parte do valor destinado às camisetas para poder reverter em ações; além de cotas de patrocínio para os nossos mais diferentes eventos, como o Prêmio e o Fórum, que é gratuito para profissionais, mas é patrocinado. Isso gera receita para o Instituto e conseguimos investir na infraestrutura do evento e nas ações do Instituto.

Passados cinco anos desde a fundação do Instituto Identidades do Brasil, qual a visão de vocês da cultura corporativa antirracista hoje?

Logo no início do ID_BR, a gente via muito no discurso das lideranças afirmando que a promoção da igualdade racial deveria ser algo orgânico e natural, e nós já sabemos que no mundo corporativo todo projeto implementado funciona a base de metas, prazos e investimentos. Então, especialmente depois de George Floyd, houve uma pressão por uma maior intencionalidade em relação à pauta antirracista, com planos de ação efetivos para o desenvolvimento dessa pauta. Houve uma cobrança maior da sociedade, não só pelas publicidades das empresas terem pessoas negras, mas pela presença dessas pessoas dentro das empresas.

As pessoas agora vão no LinkedIn das empresas querendo saber quem está sendo representado, quem representa a empresa, quem são as lideranças. E as organizações vem sendo questionadas quando apenas colocam fotos de pessoas negras, mas não contratam. A sociedade está cada vez mais atenta à cultura corporativa antirracista e à representatividade antirracista dentro do corpo das empresas, é uma conciliação entre quantidade e qualidade.

A gente não quer ver só vários modelos negros nas publicidades, queremos vários lideres nos conselhos de administração, nas altas lideranças, a gente quer ver esse montante também refletido nos fundos que as empresas tiverem, tanto filantrópicos quanto de investimentos, queremos igualdade racial 360°. Isso ainda não acontece no Brasil, mas está em curso e o papel do ID_BR. À medida que as empresas deixam de tomar essa decisão, elas passam a perder mercado, deixando de se comunicar com a maior parte da população brasileira, que é negra e que não consegue ter acesso equânime aos principais cargos dentro do mundo corporativo – mesmo quando há capacitação técnica para estarem ali. Então é todo um processo de convencimento que o Instituto faz na mudança dessa cultura corporativa, que tende a ser lenta, mas a gente quer que acelere.

O ID_BR criou o Selo “Sim à Igualdade Racial”, jornada antirracista que mensura o nível de proximidade das empresas com a pauta e dá suporte no desenvolvimento das atividades. Vocês podem trazer os números do impacto dessa medida?

O Selo Sim à Igualdade Racial é uma jornada antirracista porque acreditamos que não dá pra certificar que uma empresa um dia vai atingir um estágio onde ela é completamente antirracista, ela está sempre em uma jornada. Essa jornada pode ser inicial, intermediária e avançada, que no nosso caso se traduz pelos 3 níveis do selo: compromisso, engajamento e influência.

Hoje, existem 35 empresas participantes e, a maior parte (mais de 30%) é de empresas varejistas nos ramos de bebidas, supermercados e moda. São empresas que sofreram pressão do mercado para que tivessem algum tipo de ação afirmativa. Diretamente e indiretamente, a gente atinge o montante dessas empresas, somadas em termos de empregados, mais de 5 milhões de pessoas, que têm acesso a algum treinamento que a gente dá. Essas pessoas são afetadas direta ou indiretamente pela revisão de políticas que a fazemos no nosso dia a dia. Essa é uma jornada que precisa ser participativa e atingir a ponta, que é o colaborador negro que entra na empresa e se vê diante de novas oportunidades, a partir de revisões de políticas sem as quais não teriam a mesma oportunidade, e é isso que a gente entende como o principal resultado.

A gente recebe mensagens de colaboradores dizendo que conseguem ver um novo projeto de carreira dentro das empresas, depois que as mesmas aderiram ao selo. Há, inclusive, um projeto com o Insper para mensurar os impactos de maneira ainda mais aprofundada, já que o selo é bastante recente e a adesão massiva das empresas também é – especialmente após 2020, com o caso de George Floyd. Mas já notamos que as organizações comprometidas já possuem um investimento (nas cifras dos milhões) direcionados para a população negra. Elas possuem projetos de recrutamento e seleção específicos para a população negra, projetos de retenção e desenvolvimento de carreiras específicos para a população negra, fundos de investimento para projetos negos, e geralmente é o ID_BR que está por trás disso, esse tem sido o impacto dessa jornada.