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Por favor, use meus dados!

Talvez você já tenha ouvido a frase “Os dados são o novo petróleo”. Essa analogia nos faz pensar que o dado é um ativo escasso, difícil de obter, e portanto, de alto valor econômico. Faz sentido. Mas o momento atual pode nos ajudar a refletir e perceber que é mais que isso.

Nove dias antes da OMS (Organização Mundial da Saúde) emitir o alerta sobre a epidemia do novo coronavírus na China, a startup canadense de inteligência artificial BlueDot detectou a doença e os locais onde iria se espalhar.

Ela fez isso usando machine learning para selecionar fontes de organizações de saúde pública, redes sociais e emissão de bilhetes de companhias aéreas. São dados públicos organizados e colocados em um modelo preditivo especialista em infectologias.

Podemos dizer que a BlueDot se tornou a Cambridge Analityca “do bem”. Porque enquanto a influência da Cambridge na eleição de Trump e no Brexit fez aumentar o medo e as ações de privacidade de dados – incluindo a aceleração da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) – o trabalho da Blue nos traz esperança e pode nos ajudar a tomar ações em favor da liberdade de dados.

Liberdade de dados

Embora tenhamos uma certa tendência para um lado ou para o outro, a Privacidade não deveria anular a Liberdade. Afinal, já sabemos que o mundo é mesmo ambíguo. Se não soubermos usar o melhor de cada lado, vamos criar resistências e atrasar soluções que poderiam estar salvando as vidas das pessoas que amamos.

Como cidadão, gostaria de fornecer meus dados (anonimamente) para que outras empresas estivessem fazendo esse tipo de trabalho. Assim, talvez a pandemia global tivesse ficado restrita à epidemia Chinesa detectada pela BlueDot e o impacto nas vidas e na economia teria sido bem menor.

Para isso, a liberdade de dados deve ser vista como uma necessidade da sociedade, e até mesmo ter sua lei específica, como a antônima LGPD. Algumas barreiras para isso acontecer estão relacionadas aos riscos, incentivos e diferenciais competitivos de empresas e consumidores. Se for nesse sentido, essa discussão pode ir longe.

O valor do dado é maior do que o lucro que ele pode trazer para empresas e consumidores

Agora que o mundo está sendo obrigado a se unir, temos a oportunidade de refletir e exergar tudo com novos olhos. Temos tecnologia – vide Inteligência Artificial – que poderia certamente prever e evitar novas crises. Só que o dado é o combustível para isso, lembra?

As empresas que vendem os softwares na nuvem e smartphones já coletam nossos dados e fazem uso comercial próprio deles. Como os governos poderiam criar incentivos corretos para que os dados sejam liberados e usados adequadamente por outras empresas/startups de interesse público?

No ecossistema de startups, está cheio de empreendedores engajados com causas desse tipo, mas eles precisam dos dados para mostrar resultados. No futuro, os biosensores embarcados nos nossos gadgets estarão coletando dados inclusive sobre a nossa saúde. Como isso vai se transformar em benefício para mim e para a sociedade?

São perguntas de hoje, que deveriam estar sendo respondidas agora – antes da próxima crise, seja financeira ou de saúde mundial

A Coréia do Sul foi o país que teve mais sucesso em conter o avanço da COVID-19 porque coletou rapidamente os dados de testes da população. Ainda há empecilhos para que toda a população tenha acesso ao dignóstico imediato. Mas precisou de uma pandemia para que as instituições brasileiras anunciassem a regulamentação da telemedicina.

O uso da tecnologia tem seus riscos, mas eles não devem ser usados para manter nossa sociedade estagnada. Precisamos expandir nossa educação tecnológica para não cairmos mais nas armadilhas retóricas do século passado.

Tente lembrar como nossos avós viam a doação de sangue. Provavelmente com muito medo e desconfiança. Parece que estamos reagindo à “doação de dados” de forma parecida, atrasando a tecnologia que também podia estar salvando vidas (e economias).

O resultado da BlueDot é evidente, claro e incontestável como todo modelo de análise de dados nasceu para ser. Imagine se tivéssemos mais combustível (os dados) para criar novos modelos na área de saúde, educação, alimentação etc. Que mundo lindo seria esse!

Eduardo Ibrahim é Faculty de Inteligência Artificial e Economia Comportamental da SU Brazil

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