Alunos sentados em uma sala de aula, cada um com seu computador estudando de forma interativa. Ao invés de um professor, há um display multimidia através do qual a aula é ministrada por uma professora que não está fisicamente presente na sala de aula. Ao invés de assistentes humanos do professor, há robôs circulando para a sala de aula. Essa não é uma descrição do presente e nem do futuro. Essa é a descrição de uma imagem visionária de 1969 de Shigeru Komatsuzaki intitulada “A Ascensão da Escola Computadorizada”. Talvez a única diferença marcante para o que existe atualmente é que os robôs foram idealizados na época para dar cascudos em alunos indisciplinados ou distraídos.
É certo que qualquer agenda de desenvolvimento sustentável passa pelo tema educação de qualidade. Não é à toa que uma das 17 metas de desenvolvimento sustentáveis adotadas pelos países membros das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento Sustentável 2030 é a Educação: “garantia de uma educação de qualidade inclusiva e equitativa, e a promoção de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Mas como resolver os desafios da educação de qualidade para todos?
Em 1984, o psicólogo educacional Benjamin Bloom publicou um estudo onde observou que era possível fazer com que o desempenho médio dos alunos aumentasse significativamente utilizando-se um sistema de mentoria individual para cada aluno. De fato, seu estudo mostrou que a utilização de mentoria individual fazia com que o aluno com o pior desempenho de uma sala de aula utilizando tal abordagem atingisse uma nota maior que a nota média de uma sala de aula com alunos dentro de um sistema de ensino tradicional. Apesar de ser uma descoberta muito relevante, aplicar uma mentoria individual de forma escalável na prática sempre foi inviável.
No entanto, com os avanços das tecnologias exponenciais é possível aplicar tal abordagem de forma escalável. De fato, robôs e outras soluções baseadas em inteligência artificial estão sendo aplicadas em busca de educação de qualidade para todos com baixo custo. Em 2009, Saya, um robô humanoide foi utilizado para dar aulas para crianças de 10 anos numa escola no Japão. Nos EUA, o robô Bina48, ministrou aulas de filosofia na academia militar de WestPoint em 2018. Até mesmo a Finlândia, um dos países com os mais altos índices de qualidade educacional do mundo, entrou nessa onda e estão testando a utilização de robôs em sala de aula para o ensino de matemática e idiomas.
Os robôs talvez sejam a forma mais comum de materialização da inteligência artificial em nossas mentes. Porém, tanto a inteligência artificial como muitas de suas aplicações na educação não se restringem ao universo dos robôs. De fato, talvez elas sejam mais relevantes e promissoras do que os usos de robôs humanoides nas salas de aulas para “substituir” o papel de professores humanos. Neste contexto, há dois aliados importantes do ambiente educacional: o Assistente de Professor baseado em Inteligência Artificial (AI-based Teacher Assistant) e o Tutor baseado em Inteligência Artificial (AI-based Tutor).
Uma grande parcela do trabalho de um professor ocorre fora da sala de aula. Um professor precisa preparar o material de suas aulas, pensando num roteiro didático que tenha aderência ao conteúdo programático e que esteja de acordo com a capacidade de assimilação de seus alunos, o que pode variar de turma para turma, bem como de indivíduo para indivíduo. O professor precisa preparar exercícios para que os alunos coloquem em prática os conhecimentos adquiridos em aula, bem como precisa preparar instrumentos de avaliação, sejam eles provas ou trabalhos. Posteriormente, o professor precisa fazer a correção e dar a devolutiva de desempenho. Com o advento do e-mail, sistemas de EAD e redes sociais, os professores recebem muitas demandas de esclarecimentos, principalmente às vésperas de entrega de trabalhos e provas. Além disso, o professor precisa controlar a presença de alunos, e em alguns casos criar formas de incentivar a participação e a atenção dos alunos através do controle de notas de participação.
Para cada uma das atividades descritas, há soluções que foram ou estão sendo desenvolvidas que compõem o conceito de Assistente de Professor baseado em Inteligência Artificial. Estas soluções prometem aumentar a produtividade dos professores, e, reduzir a demanda de tempo fora das salas de aula, que, em muitos casos, não é devidamente remunerado. Ainda, soluções como a desenvolvida na universidade de Stanford, conseguem atribuir pontuação de acordo com a qualidade das perguntas de cada aluno, apenas escutando a pergunta e analisando a complexidade e o grau de engajamento para a elaboração dela. Soluções prometem auxiliar o professor no desenvolvimento do programa e conteúdo de cada aula a partir da análise automática do desempenho dos alunos nos exercícios feitos em EAD, adaptando o conteúdo para cobrir ou reforçar tópicos de maior dificuldade. Há trabalhos acadêmicos onde foram utilizadas câmeras juntamente com soluções baseadas em inteligência artificial em sala de aula para avaliar o grau de atenção, e, entender a emoção de cada aluno a partir da leitura das respostas fisiológicas nos músculos faciais. Assim, é possível detectar dúvida, concordância ou discordância, por exemplo, auxiliando numa avaliação constante da resposta individual de forma contínua, ao invés de uma medida esporádica através de uma prova. Por fim, soluções permitem o esclarecimento automático de dúvidas dos alunos através de e-mail. Uma solução como essa foi utilizada em 2016 na Georgia Tech e esclareceu dúvidas de alunos por e-mail sobre as lições da disciplina em questão. Os alunos não sabiam que se tratava de um algoritmo de IA ao invés de um assistente de professor humano, e, por esta razão ao final da disciplina ficaram surpresos com a revelação.
Já o conceito do Tutor baseado em Inteligência Artificial é voltado para suportar cada aluno individualmente no seu processo de aprendizado. A ideia é que ele empregue os recursos mais efetivos para cada aluno atingir um desempenho superior. Ele pode acompanhar o aluno ao longo dos diferentes estágios de sua vida escolar até sua vida profissional, quando necessitará de constante atualização profissional. Ao aprender como se dá o processo de aprendizado de cada aluno individualmente, esse tipo de tecnologia promete trazer uma mudança de paradigma no sistema educacional, pois o sistema automaticamente adapta o conteúdo e as atividades para cada aluno, fornece insights para o Assistente de Professor baseado em Inteligência Artificial e para os novos professores sobre cada aluno. O sistema utiliza conhecimento sobre as lacunas e as necessidades individuais para selecionar e priorizar leitura, bem como gera automaticamente conteúdo suplementar para suportar cada estratégia de ensino. Por fim, o sistema permite ainda a valorização do esforço, de forma a recompensar o processo como um todo.
Estas soluções prometem uma facilidade na atualização curricular, pois qualquer mudança pode imediatamente ser incorporada na execução do programa de ensino, e, de forma uniforme uma cidade, estado ou país. Muitas dessas soluções descritas dependem apenas de um telefone celular, o que traz um horizonte otimista diante dos desafios educacionais existentes, dentre os quais, o de levar educação de qualidade numa escala exponencial para todos a um custo marginal baixo o suficiente para ser acessível a qualquer país independentemente do seu nível de riqueza. A educação do futuro será exponencial.
Alexandre Moreira Nascimento é consultor, pesquisador em Inteligência Artificial e Dispositivos Autônomos Inteligentes e expert da SingularityU Brazil.