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Transformação digital nas guerras, por Alexandre Nascimento

E se a inteligência artificial for capaz de sair da ficção e causar uma revolução digital na forma como conduzem as guerras pelo mundo? O filme “Jogos de Guerra” (WarGames), sucesso de bilheteria na década de 1980, já previa uma realidade parecida, há quase 40 anos. A história narra um jovem hacker, que acidentalmente acessou um supercomputador militar americano, capaz de simular uma guerra nuclear entre os EUA e a antiga União Soviética. Bom, ele achava que se tratava apenas de uma simulação.

Mas, como a IA pode influenciar em conflitos nos dias de hoje? Alexandre Nascimento, expert em Inteligência Artificial da SingularityU, falou a abordou a pauta para o ESTADÃO e afirmou que Um fato real apresentado na ficção é que os jogos de guerra realmente existem: são simulações, muitas vezes computacionais, que permitem avaliações do resultado de diferentes estratégias, táticas e operações militares numa situação de guerra.

De acordo com o pesquisador de Inteligência Artificial há 24 anos, com essas ferramentas, é possível identificar as melhores abordagens para se obter vantagem com os recursos existentes sobre o adversário. Assim, através dessas simulações, os militares entendem qual é a melhor forma de alocar suas tropas e arsenais para obter superioridade. Ou seja, apesar do nome “jogo”, trata-se de uma ferramenta muito importante para a análise de cenários e preparo militar.

Nascimento lembra ainda que, atualmente, vivemos um cenário com uma guerra importante ocorrendo na Ucrânia e uma outra com potencial de ocorrer, dado o aumento das tensões no Pacifico entre China e Taiwan, bem como o envolvimento de outras nações como Japão, Austrália e EUA. Recentemente, a visita de Nancy Pelosi à Taiwan acirrou as tensões entre China e EUA. Alguns militares americanos consideram que, devido aos desdobramentos, a possibilidade de um conflito armado entre China e EUA até 2026 está se tornando cada vez mais real.

Com isso, o Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) de Washington utilizou um jogo de guerra para simular um conflito entre as duas potências militares num cenário provável em 2026, onde a China invadiria Taiwan, e os EUA responderiam militarmente. No cenário considerado não ocorreria um conflito nuclear, ou seja, ambas as nações não utilizariam armas nucleares.

Os resultados das simulações trouxeram revelações surpreendentes. A conclusão final é que os EUA conseguiriam repelir a invasão chinesa. No entanto, o preço que seria pago em perdas de vidas, navios e aviões militares seria muito alto no conflito. Em apenas 4 semanas, os EUA poderiam perder 900 aviões, o que representa metade de sua frota.

Com os avanços da inteligência artificial (IA), ela passou a assumir também um protagonismo cada vez maior nas operações militares, trazendo automação e inteligência para a operação, através de comboios autônomos, armas e robôs de guerra. A IA também passou a ser uma excelente ferramenta para sofisticar tais simulações.

Atualmente, há técnicas que permitem que IA aprenda por observação e se sofistique ao ponto de exceder um especialista, tal como ocorreu com a IA da empresa Deepmind, do Google, que venceu o campeão mundial de Go, um jogo de tabuleiro chinês, aprendendo a jogar apenas por observação. O aprendizado por observação permite que alguns robôs aprendam, a partir de vídeos do Youtube, a preparar refeições, por exemplo.

Algoritmos preditivos de IA permitem também previsões dos potenciais desdobramentos de cada possível estratégia e tática, tornando-se uma ferramenta importante em tais simulações. Além disso, com IA é possível rodar otimizações para que ela indique quais são as melhores alocações de recursos militares, de forma a maximizar os resultados positivos e minimizar as perdas, mesmo em situações onde há inferioridade de recursos. Ou seja, uma IA bem utilizada pode otimizar a alocação de recursos, mesmo que inferiores, para buscar a maximização dos resultados numa guerra. Esse efeito exponencializador transformou a IA em uma ferramenta estratégica de defesa.

Um exemplo clássico, trazido por Nascimento na matéria, é de como um exército com inferioridade de recursos poderia vencer outro com muito mais recursos é dado pela famosa batalha entre Alexandre, O Grande, rei da Macedônia, e Dario III, rei dos Persas, ilustrada no filme Alexandre, de 2004. Dario III tinha um número muito superior de soldados e recursos militares, mas Alexandre venceu utilizando uma estratégia arriscada, atraindo os soldados para uma direção para que se abrisse um flanco e ele conseguisse cavalgar rapidamente em direção a Dario III para atacá-lo diretamente. Ao perceber que Alexandre estava cavalgando em sua direção com furor para matá-lo, Dario III fugiu e com ele uma parte de sua tropa, afetando profundamente a moral de seus militares.

A IA pode ser utilizada para a elaboração e proposição de táticas inusitadas que podem render melhores resultados com inferioridade de recursos, como no caso de Alexandre, O Grande. Assim, através da observação via satélite ou em campo de batalhas ou exercícios militares atuais, a IA pode obter subsídios para gerar estratégias vencedoras nesse “jogo”.

Além disso, a IA pode ser utilizada para testar as consequências potenciais de estratégias arriscadas de antemão, para avaliar os potenciais benefícios diante dos riscos e, com isso, tornar-se uma ferramenta de apoio a tomada de decisão estratégica, tática e operacional. Isso explica a disputa acirrada entre EUA e China pela liderança no campo da IA.

Mas se tudo pode ser simulado num jogo, por que então as guerras não são resolvidas num ambiente simulado, como o metaverso, onde tudo ocorre como se fosse uma longa partida de um jogo? Apesar de ser uma grande mudança de paradigma, seria possível. Isso seria a transformação digital e virtualização das guerras, onde as disputas militares seriam resolvidas em ambiente virtual, com consequências entre as partes sendo refletidas na vida real em relação ao tema disputado.

Com isso, Alexandre Nascimento conclui que quem tiver os melhores computadores, simuladores e geradores de armas e ativos no mundo digital vão ter a superioridade militar. Isso evitaria grandes desgraças desnecessárias em perdas de recursos, atrasos econômicos e de desenvolvimento e principalmente mortes. Esse paradigma traria uma solução mais civilizada para lidar com disputas militares. “Será que algum dia as disputas entre nações serão resolvidas em partidas de videogame jogada por IAs?”, provoca.

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