Energia tem sido o motor de crescimento da humanidade há séculos e vários estudos refletem a noção já consolidada da correlação entre o crescimento econômico e a demanda energética.
O que muitos ainda não racionalizaram é que o grande problema atual não é a escassez de energia e sim as crescentes emissões de gases de efeito estufa (GEE). A informação mais alarmante, nesse caso, é a correlação entre crescimento econômico (PIB global), demanda energética e mudanças climáticas (aumento da temperatura da superfície global e aumento do nível dos oceanos).
O descompromisso histórico com as emissões de GEE colocou o planeta em situação de alerta e traz a necessidade urgente de desenvolvimento sustentável. Nações – através do Acordo de Paris -, cidades – através do C40 – e grandes corporações – através do RE100 -, lideram os esforços para transição energética e reduções de emissões.
Uma rápida análise desse contexto nos leva à conclusão de que a transição para fontes de energia renováveis é inexorável e, ainda mais, a fonte solar, a mais abundante e disponível em todos os lugares, é a escolha óbvia e certa.
O poder energético do sol é 8000x maior do que a necessidade anual de energia da humanidade e esta já é a alternativa energética que mais cresce no planeta.
Quais são os desafios?
O primeiro desafio que fez com que a energia solar não fosse amplamente adotada há alguns anos foi o componente preço. Em 1977, os painéis solares de silício já estavam em escala industrial e custavam USD$ 76/Wp. Nos 10 anos subsequentes, a tecnologia caiu de preço 10x e, nos outros 30, mais 10x, fruto de inovação, melhores técnicas de produção, esforços de redução de custos e aumento de volumes de produção.
Além disso, o lobby realizado pelas grandes economias, indústrias petroleiras, automotivas e outras também retardaram esse avanço.
As barreiras hoje estão mais relacionadas às caraterísticas das tecnologias utilizadas atualmente.
Os painéis de silício já estão muito próximos dos seus limites de custos e performance. Por depender de um único material semicondutor, com limites definidos, a tecnologia do silício encontrou uma barreira física. Ainda existem as limitações de aplicação, que determinam orientações preferenciais, no que tange à instalação, e características do material (peso, opacidade, rigidez, etc.) que dificultam a logística e impedem a entrada em novos e inexplorados mercados.
Vale destacar, que os painéis de silício são ideais para integração em fazendas solares e geração centralizada de energia, e continuarão a crescer nos próximos anos. No entanto, essas limitações criam um grande dificultador para aplicação da energia solar no contexto dos grandes centros urbanos.
A próxima fronteira da energia
O sol nasce todos os dias, nas mais ermas regiões do planeta e brilha para todos. Fonte energética abundante, democrática e “infinita”.
Por que então não gerarmos energia próximo de onde ela é consumida? Como integrar a energia solar nas nossas cidades, nas nossas vidas? Como “humanizar” a energia?
Para tal, são necessárias tecnologias disruptivas que permitam a sua integração em diversas superfícies com beleza, facilidade de aplicação, transporte e design. Os painéis solares orgânicos (OPV, Organic Photovoltaic) são uma dessas tecnologias exponenciais disruptivas.
Criados a partir de polímeros semicondutores orgânicos (semelhante aos OLEDs), o OPV possui transparência, cores distintas, flexibilidade, leveza (aproximadamente 300g/m²), é fino (0,3mm de espessura) e possui a menor pegada de carbono entre todas as alternativas (20x menor que os painéis de silício).
O processo produtivo de impressão, rolo-a-rolo, de baixas temperaturas e consumo energético, contínuo e altamente escalável, com a utilização de matérias-primas orgânicas e abundantes na natureza, confere à tecnologia potencial de baixíssimo custo.
Essas características somadas permitem ao OPV possibilidades nunca antes almejadas: ter a energia solar integrada às nossas vidas de forma extensiva.
A sua transparência permite integração/aplicação em fachadas de vidro e claraboias (shoppings, por exemplo). O seu baixo peso justifica a integração em estruturas leves que não suportam o sobrepeso dos painéis de silício (galpões, mobiliário urbano). A sua flexibilidade possibilita curvas e estruturas com forte apelo para design (tetos de carros, árvores de energia). A alta absorção de luz difusa permite angulações, mesmo que não otimizadas, e aplicação em zonas com sombreamento por árvores, por exemplo. O forte apelo sustentável aproxima a tecnologia do consumidor final.
As aplicações são praticamente ilimitadas: fachadas de vidro de edifícios, carros, caminhões, claraboias, abrigos de ônibus, ônibus, barcaças, árvores de energia, dispositivos indoor, gadgets, mobiliário urbano, estruturas flutuantes, toldos, ombrelones, etc., etc., etc.
Quebrando paradigmas – a disrupção do mundo da energia
Nos últimos anos, meses, dias, temos vistos novas e incríveis tecnologias exponenciais causando verdadeiras revoluções e transformando indústrias inteiras. A disrupção ocorre quando novas tecnologias tornam as tecnologias anteriores obsoletas.
A próxima grande revolução pode acontecer no setor energético.
Os painéis solares tradicionais sempre foram vistos e tratados como verdadeiros cupons financeiros de longo prazo. Faz-se um investimento inicial para aquisição/instalação (CAPEX), espera-se uma geração de energia ao longo do tempo e em um determinado momento ocorre o retorno (payback financeiro). Após esse momento, há a apropriação econômica da energia até o fim da vida útil dos painéis (lucratividade).
A quebra de paradigma ocorre quando essas novas tecnologias trazem novos componentes para o mundo da energia solar. O OPV e seus benefícios vão muito além de uma relação de payback tradicional.
Estamos falando de um filme fotovoltaico que pode ser integrado a vidro, tecidos, lonas, policarbonato, fibra de vidro, telhas, concreto, superfícies metálicas e etc. E a partir do momento em que essa integração ocorre, esses materiais “passivos” se tornam superfícies funcionais que geram energia. Superfícies inteligentes que passam a ter um novo propósito, e é aí que as possibilidades se multiplicam.
Indo além, estamos falando de uma tecnologia para geração de energia com potencial de baixíssimo custo, eventualmente muito próximo a zero.
Se isso de fato se consolidar (e tudo indica que irá), seremos “forçados” (e isso não seria nada ruim) a migrarmos para modelos de negócios de Energy as a Service – EAAS, em que a monetização da energia estará muito mais relacionada aos serviços e às funcionalidades habilitadas por essas tecnologias do que à energia em si.
Assim como eu nunca vi uma nota fiscal de quilobyte (kB) do Google, que vende informação, provavelmente não veremos mais notas ficais de quilowatt-hora (kWh).
E quem você acha que fará essa disrupção? Serão mesmo as grandes companhias de energia?
Filipe Ivo Parceiro HSM
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