Existe um viés na discussão corrente sobre o Futuro do Trabalho, que está muito inclinada para o escopo das grandes corporações, como o trabalho remoto (anywhere, anytime); a importância da formação de squads; a importância das Soft Skills (empatia, vulnerabilidade, curiosidade, criatividade, adaptabilidade); o quanto será ou não substituído por IA, e assim por diante. É preciso ampliar esse debate.
A quarta Revolução Industrial acelerou o ritmo da diversificação de atividades. O impacto promovido pela internet na economia pode ser comparado à colonização de outro planeta, o “Planeta Digital”, semelhante ao Planeta Terra, porém nas nuvens. Talvez ainda seja difícil visualizar essa magnitude enquanto estamos no processo. Por isso, a ficção científica ajuda a enxergar melhor para onde estamos indo, como, por exemplo, os episódios “Quinze Milhões de Méritos” e “Queda Livre” da série Black Mirror da Netflix, e os filmes “Jogador Nº 1” e “Her”.
Neste contexto, em relação ao mercado de trabalho, o Digital permitiu tanto o surgimento de novas profissões, como Influencers, YouTubers, Nômades Digitais, quanto a adaptação de profissões tradicionais para esse novo “espaço”. Profissionais de inúmeras áreas diferentes embarcaram nessa missão rumo ao desconhecido.
Como colonizadores diante de imensos territórios inexplorados, os primeiros habitantes do Digital encontraram seu “oceano azul” de oportunidades. Puderam rapidamente construir autoridade, conquistar seguidores diante de uma altíssima taxa de entrega do conteúdo para
sua base, compraram tráfego a valores ridiculamente baixos e hoje usufruem do pioneirismo.
É o caso de um advogado proprietário de um escritório que, segundo ele, estava “quebrado e sem esperanças” quando passou a criar conteúdo online gratuito sobre, pasmem, os caminhos do sucesso na carreira jurídica. Sua narrativa mostrou apenas o imóvel pomposo da empresa e
os 20 anos de existência. Pode até ter sido motivo de chacota pelos conhecidos. Mas, seu público alvo, persona, era bem diferente: jovem recém-formado. Essa é uma grande vantagem do Digital. Em menos de um ano, esse advogado deu a volta por cima, surfou na onda de lançamentos de cursos online, os infoprodutos, e rapidamente virou case de sucesso!
Em decorrência das tecnologias que surgiram nas últimas décadas e continuarão crescendo à la Lei de Moore, tem surgido uma enormidade de atividades laborais inovadoras, como os especialistas em IA (Deep e Machine Learning), Blockchain, Iot, Realidades Estendidas; Marketing Digital; Games Virtuais; etc. Como também, tem transformado tantas outras profissões existentes em razão do impacto que essas inovações têm exercido no modo de viver, na cultura e nas relações.
A despeito deste cenário, atualmente, o debate sobre o trabalhador do futuro que encontramos em fóruns, apresentações, conferências e artigos está inspirado em relatórios de pesquisas de grandes consultorias. O problema é que elas costumam entrevistar apenas executivos de grandes corporações. O que torna suas conclusões enviesadas a esse nicho.
Dados do IBGE mostram que, do total da população ocupada no Brasil, aproximadamente 40% está na informalidade, portanto, 60% tem emprego formal. Já o SEBRAE* em seu estudo identificou que por volta de 30% dos empregos com carteira assinada se encontram em grandes corporações. Conclui-se que, do total dos trabalhadores no Brasil, apenas 18% estão nestas grandes empresas e o restante, 82%, fora delas.
Extremamente relevante, portanto, são a ODS 8 da ONU, suas Metas e Indicadores localizados para o Brasil, onde se encontram diretrizes sobre o que precisa ser feito em termos de estímulo à capacitação profissional para um futuro mais digno, justo e próspero do país. O Governo Federal* e o do Estado de São Paulo* têm criado iniciativas com foco maior nas áreas
tecnológicas. Neste mesmo sentido, o World Economic Forum* lançou o “Reskilling Revolution”, focado em estratégias para preparar um bilhão de pessoas em todo o mundo até 2030.
Uma análise interessante também é sobre o que se convencionou chamar de economia freelance ou Gig Economy, composta pela massa de informais e autônomos. Neste quesito, muito se discute sobre a precarização do trabalho em razão de baixas remunerações e proteções trabalhistas. Porém, é preciso levar em consideração que é um movimento
irreversível da atual conjuntura dos negócios, com o aumento do peso relativo dos encargos trabalhistas nas indústrias intensivas em mão de obra, frente à competição com as empresas nascidas Digitais de alta escalabilidade.
Em paralelo, e mais recente, outro movimento importante tem ocorrido na classe profissional mais elitizada e qualificada, que vem expandindo o alcance do fenômeno da Gig Economy. Diferente do caso do advogado citado, agora até mesmo os bem sucedidos executivos, médicos, dentistas, advogados, comunicadores, arquitetos, engenheiros têm emigrado do emprego tradicional por oportunidade e propósito, ao invés de por necessidade. Esse profissional acumulou alguma reserva financeira e se prepara para essa jornada num mergulho profundo na aprendizagem empreendedora – conhecem contratos de mútuo conversível; plataformas SaaS de gestão; estratégias de marca e growth hacking; e muito mais.
No entanto, é provável que o termo Gig Economy não seja o melhor para definir esse novo grupo. Talvez o termo “Gig New Economy” seja mais adequado. Essas pessoas optam por trocar seu emprego para fundar Startups, lançar seu curso online, se plugar às plataformas de marketplaces de profissionais de serviços mais sofisticados, entre outras iniciativas. Em outro artigo faço uma reflexão mais profunda sobre as habilidades desse profissional de sucesso da Nova Economia.
O fato é que quando se fala de “Futuro do Trabalho” de forma genérica é urgente uma visão holística sobre o assunto sob o risco de executivos de grandes corporações ficarem ouvindo apenas o eco de suas próprias vozes e não perceberem as reais ameaças e oportunidades.
Matheus Henrique Lopes Pereira Lima é chapter da Singularity University Brazil em Ribeirão Preto.