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Expectativas versus Realidade: o processo de apropriação tecnológica

Por Renata Horta – Diretora de Crescimento da Troposlab

A inovação não se sustenta somente em novas tecnologias, o gestor de inovação deve estar atento às tendências comportamentais que aceleram ou não sua adoção, assim como ao processo comportamental de apropriação tecnológico e o que suporta ou não esse processo. Com essa análise mais completa as empresas podem se preparar melhor, vencendo a ansiedade das decisões e criando caminhos mais prováveis para incorporar as inovações.

Expectativas versus realidade no desenvolvimento tecnológico

A inovação não se sustenta somente nas novas tecnologias, mesmo que seja instigante pensar em todo o potencial da Inteligência Artificial, por exemplo, esse hype pode gerar expectativas irrealistas. É conhecido o gráfico que compara expectativas versus realidade de novas tecnologias no tempo, as impressoras 3D, realidade aumentada e muitas outras passaram por essa curva.

Quando estamos diante do potencial tecnológico imediatamente começamos a discutir todas as possíveis aplicações que a tecnologia pode ter, em poucos minutos conseguimos construir cenários que vão se realizar 3, 5 ou 10 anos à frente. Não é possível discutir a importância e impacto que a Inteligência artificial já tem, nem a velocidade com que soluções estão sendo desenvolvidas e entrando no mercado, principalmente a partir das plataformas que foram colocadas à disposição nos últimos meses. Mas, usando esse exemplo, temos também que reconhecer que a complexidade de desenvolvimento, o custo de acesso e implementação, o nível de especialização exigido dos talentos envolvidos, a demanda por regulamentações, as preocupações com um tratamento ético ou com a privacidade e segurança, nos mostram onde realmente está pavimentado o caminho de desenvolvimento dessa tecnologia, bem distante das nossas expectativas futuristas, sejam elas otimistas ou pessimistas. 

São vários os fatores que nos levam das expectativas elevadas ao “Vale da Desilusão” como mostra o gráfico de Ian Beacraft apresentado em tradução livre para ilustrar esse artigo. A velocidade, o tamanho da incoerência entre realidade e expectativa e o tempo para chegar ao plateau de produtividade vão depender da tecnologia e de interesses sociais, econômicos e políticos.

O gráfico foi apresentado por Ian Beacraft – CEO e Futurista Chefe da Signal e Cipher.

Apropriação comportamental de novas tecnologias

Os estudos sobre o processo de adoção de novas tecnologias descrevem a existência de elementos comportamentais críticos, mas ainda podemos avançar muito no entendimento de quais são esses elementos comportamentais. Tatear elementos que influenciam esse processo pode ajudar a calibrar expectativas e tomar decisões que de fato ajudam a organização a se preparar para incorporar ou desenvolver novas tecnologias. 

Podemos começar separando essa apropriação em dois níveis: o coletivo e o individual.

No nível coletivo, temos as decisões políticas e econômicas, que vão depender muito do significado associado a essa nova tecnologia. A dificuldade de compreender e formar um nexo é um grande gargalo para isso. Se simplificamos demais, a insegurança do desconhecido pode tornar o processo muito mais longo. Entender as narrativas que estão sendo construídas e contribuir para visualização de cenários otimistas, favorece a construção de significados que engajam, geram interesse positivo e proatividade na solução das questões inerentes ao desenvolvimento da tecnologia.

Digamos que todo o coletivo está “resolvido” e que agora desejamos que as pessoas da organização se apropriem dessa nova tecnologia. Precisamos inicialmente reconhecer o que é esse processo, aqui descrito em 4 grandes etapas:

  1. Curiosidade: nessa etapa entramos no passo “sei que existe” em que tomamos conhecimento da tecnologia e vamos através de informações básicas para o “sei para que serve”. Note que são dois passos muito diferentes, eles mudam a capacidade de discutir ou de criar soluções a partir dessas tecnologias. Nenhum desses passos é suficiente para se apropriar dentro de uma organização, mas é muitas vezes aqui que as ações de comunicação e cultura param.
  2. Prática e Autoconfiança – nessa fase começamos a nos comportar ativamente diante da tecnologia, utilizamos e aprendemos como ela pode nos servir. É uma etapa que pode ser longa, precisamos ganhar repertório. Normalmente ela também ocorre de forma desestruturada, por tentativa e erro, gerando um processo de aprendizado que pode ser bastante frustrante, especialmente quando há pressão da organização para que seja incorporada. 
  3. Conhecimento e prazer – nessa fase somos motivados pelos benefícios gerados e aprendemos um pouco mais, começamos a discutir e a modificar a tecnologia para nos servir ainda melhor. Isso acontece através de comunidades de prática, cursos de tecnologia, e bastante interesse. Aqui começamos a nos tornar capazes também de ensinar, apoiando o processo de quem está nas etapas anteriores.
  4. Conhecimento e Prazer – nessa faze estamos no saber criar, aprofundamos no conhecimento da tecnologia, muitas vezes formalizando esse aprendizado em mestrados e doutorados, fortalecendo competências técnicas, e conseguimos efetivamente fazer parte das discussões de vanguarda e da criação tecnológica.

Resumidamente, estamos propondo 4 níveis de apropriação comportamental para os indivíduos. Reconhecer em que nível as pessoas da organização estão, em cada área por exemplo, e em que nível elas precisam estar para entregar a estratégia tecnológica, nos ajuda a planejar esse processo.

Reconhecer o processo humano de aprendizado por trás da apropriação é uma forma inteligente de planejar e acelerar a transformação digital das empresas. Quanto mais sistematizamos esse processo dentro das organizações, mais fácil será percorrer as diversas ondas de transformação tecnológica que estão por vir.

Idealmente, o planejamento do processo de apropriação tecnológica pode ser feito também por governos, entidades de classe e instituições que desejam fomentar empregos e novas tecnologias, uma vez que é condição necessária para seguirmos adiante como seres humanos felizes e produtivos em um ambiente tecnológico. A ausência do processo estruturado gera uma incapacidade de se adaptar que impacta de forma global a vida das pessoas e da sociedade.

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O que podemos aprender com a evolução da inovação aberta ao longo dos últimos 20 anos?

Por Pedro Teixeira – Diretor de Futuro e Inovação da Troposlab

Inovação aberta é um daqueles vários conceitos do mundo da inovação que é fácil de entender e difícil de colocar em prática. O termo Open Innovation tem origem em 2003 com Henry Chesbrough, professor da Universidade de Berkeley e ex-gerente de empresas de tecnologia. Desde então, difunde-se pelo mundo e evoluí junto às empresas.

A lógica é simples: 

  • em vez de sua empresa ter todas as ideias sozinha, ela pode colaborar com fornecedores, universidades, parceiros, clientes e concorrentes e trazer ideias, projetos e tecnologias de fora. Isso para ter produtos, serviços e processos mais competitivos no mercado em que atua;
  • além disso, ela pode dar outros destinos para as ideias, projetos e tecnologias que surgem dentro do negócio e não são aproveitadas. Isso permite novas receitas com royalties, vendas de tecnologias ou por meio de receitas de spin offs que surgem a partir da empresa mãe.

Mas o que temos visto na prática em relação à execução de projetos de inovação aberta?

O primeiro aspecto que eu gostaria de abordar é justamente um que muitas empresas fazem e não reconhecem como inovação aberta. Principalmente dentro da indústria, é comum haver projetos de codesenvolvimento entre uma determinada empresa e seus fornecedores. Nesses casos, há ideias que surgem nos fornecedores e são implementadas conjuntamente nas indústrias ou ideias que surgem na indústria e são executadas nos parceiros.

Vamos pensar em um motor de carro como exemplo. Não faltam casos no mercado em que equipes de desenvolvimento de várias empresas diferentes (fornecedoras entre si) se juntam para desenvolver o projeto de um novo motor. Isso é inovação aberta, mas dificilmente o mercado enxerga dessa forma.

Outra relação importante, quando se fala de inovação aberta, é a que ocorre entre universidades e empresas. Nesse tipo de relação, é bem fácil entender em que um contribui e o outro recebe. As universidades são especialistas em desenvolver novas tecnologias.   Atuam no início do processo de desenvolvimento, estudando conceitos, experimentando e desenvolvendo metodologias e produtos com possibilidade de proteção intelectual (patentes e afins). Já as empresas são especialistas em transformar essas tecnologias em produtos. Isso ao criarem especificações de materiais, desenvolverem linhas de produção e otimizarem processos para a produção em massa. Nesse caso, o produto de um é a matéria prima do outro.

Olhando assim parece óbvio que a relação entre esses dois agentes evoluiria muito ao longo do tempo. Mas o  que vimos nos últimos 20 anos não é bem assim. Sim, houve evolução. Hoje, as universidades brasileiras têm Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs), que são responsáveis pelo contato com empresas, as novas gerações de professores estão mais abertas ao relacionamento com empresas e a falta de vagas no mercado de trabalho para mestres e doutores recém-graduados faz com que eles estejam muito mais abertos a realizarem projetos em parceria com empresas.

No entanto, esses dois mundos ainda falam línguas diferentes. Os prazos na universidade são bem maiores do que as expectativas das empresas e a burocracia de parceiras e acordos de propriedade intelectual ainda afastam muitas instituições para longe dos pesquisadores. Hoje, há no mercado dois tipos de empresas se aproximando das universidades: aquelas que são obrigadas por lei a disponibilizar parte da receita e/ou lucro em P&D e aquelas que têm áreas de inovação e P&D muito estruturadas e enxergam potenciais parcerias tecnológicas.

E foi justamente por esse afastamento entre esses dois mundos que surgiu uma nova relação no mercado. A relação entre empresas e startups.

As startups, mesmo que inconscientemente, tornaram-se a conexão das grandes empresas com as novas tecnologias. Como esses negócios são mais ágeis, em alguns casos até surgiram ligados à universidade, eles já assimilaram alguma tecnologia ou, no mínimo, parte do uso dela em certo mercado, e transformaram em solução que as grandes empresas podem consumir internamente ou incorporar em seus portfólios.

Ainda assim, a relação entre grandes empresas e startups ainda é algo novo para ambos os lados. E há uma evolução nos formatos de relacionamento entre eles.

No início, as empresas associavam relacionamento com startups à execução de Hackathons. O tal do hackathon era solução para tudo. Um hackathon nada mais é do que uma “maratona hacker”: workshop prático de poucos dias no qual vários grupos com competência técnica de desenvolvimento de soluções (digitais, em geral) reúnem-se e pensam em soluções para problemas da empresa patrocinadora. Como resultado, a empresa tem várias soluções à disposição e os participantes competem por um prêmio ou pela possibilidade de ter aquela empresa como cliente.

Com o tempo, as empresas perceberam que precisavam nutrir relacionamento com essas startups, e que as soluções levavam tempo para serem desenvolvidas. Assim, muitas instituições migraram para programas de aceleração. Muitas empresas lançaram programas para atrair e selecionar startups que resolviam problemas cotidianos ou  tinham tecnologia para criar potenciais soluções. Essas startups aceleradas recebiam algum tipo de auxílio financeiro para execução de Provas de Conceito (POCs). Como resultado, a empresa ganhava um novo fornecedor mais tecnológico e a startup  um grande cliente. 

Esse processo ainda existe, mas nem sempre as empresas têm tempo ou recursos para criar estruturas desse tipo. Assim, várias delas migraram para processos de mapeamento de startups do ecossistema e apresentação interna dessas soluções para as áreas interessadas (RH, Produção, Compras). A diferença é que esses processos de mapeamento levam geralmente à contratação e não ao  codesenvolvimento.

Enquanto o mercado evoluia, algumas empresas perceberam que poderiam não só se tornar clientes dessas startups, mas também sócias. Afinal, elas contribuiam para o processo de desenvolvimento das soluções dessas startups. O problema é que, em geral, as startups não estavam dispostas a ceder percentuais de seus negócios em troca desse tipo de parceria. Por outro lado, elas continuavam com demandas por novos recursos. Por isso, as empresas viram a oportunidade de participar de outra forma: tornando-se investidoras.

Nascia aí o Corporate Venture Capital (CVC).

Algumas empresas criaram fundos para investir em startups. Além do papel tradicional de investidor, colocando recursos, as empresas têm a vantagem de usarem a estrutura e atuação em determinado mercado como campo de testes ou de expansão da atuação das startups. Assim, além do aporte investido, o CVC tem o potencial de expor a startup em dezenas, centenas ou milhares de clientes por meio das unidades ou canais de distribuição que a empresa já usa.

Mas tudo sempre vem com um desafio. Um CVC precisa funcionar dentro da trilha de investimentos já consolidada. Uma startup que captou recursos de um CVC pode precisar posteriormente de mais recursos que só conseguirá em um fundo de investimentos. Assim, os percentuais, a lógica de venda da participação em rodadas futuras e todo processo de relacionamento entre sócio e investidor precisa ser dominado pelo CVC para que ele não mate o desenvolvimento da startup. Às vezes, o mais rentável para ambos os lados será vender a empresa ou a participação de um sócio investidor. Entender e aceitar isso é fundamental para que o investimento seja proveitoso para as partes.

Já processos de inovação aberta com clientes e concorrentes são mais raros no mercado. Existem algumas iniciativas que ilustram as apresentações sobre o assunto. Mas, na prática, não é algo comum. Com os concorrentes talvez por raciocínio lógico. Já é difícil para uma empresa se abrir para a parceiros, fornecedores, universidades e startups; imagine para quem concorre pelos mesmos clientes. E, no caso de clientes, observa-se que as empresas ainda são receosas em compartilhar projetos em desenvolvimento. Elas se preocupam muito em manter uma comunicação eficiente com o cliente quando fazem algo em colaboração para que eles não fiquem com a impressão de que estão vendo algo inacabado.

Poderíamos ficar mais vários parágrafos falando sobre exemplos e possibilidades de inovação aberta,  mas espero que nossa discussão tenha lhe dado um primeiro retrato sobre o que tem funcionado ou não para que você trace suas próprias estratégias no tema.